Como um roqueiro brasileiro foi parar num reality-show suíço - SWI

Por um escritor misterioso

Descrição

Morador de Nova Friburgo, Guilherme Isnard aceitou o convite de um reality-show suíço para trocar de casa com duas estudantes de Friburgo, na Suíça. O cantor relata sua experiência e suas observações a respeito da ligação Friburgo (Suíça) - Nova Friburgo (Brasil). Anos oitenta no Brasil. O rock brasileiro estava no auge. Os saudosos da época afirmam que nunca houve na música brasileira uma década como aquela. Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Kid Abelha, Blitz, Barão Vermelho e Ira! eram algumas das bandas do riquíssimo cenário musical roqueiro que arrastavam uma legião de fãs por onde passavam. Dentro desse cenário, um cantor galã de voz potente se destacava e arrancava gritos histéricos de fãs apaixonadas que o seguiam por onde passava: Guilherme Isnard, da banda Zero. O vocalista de fartos cabelos negros era tão famoso que lotava estádios e recebia disco de ouro no programa do Chacrinha. 2013, Suíça. Guilherme, agora sem os fartos cabelos negros, circula calmamente pelas ruas de Friburgo na companhia da esposa, Yoo Na, e dos dois filhos pequenos. Nenhum brasileiro os cruza pelo caminho e Guilherme passa incógnito pela cidade. Ele participa da gravação de um reality show suíço, "Verkehrte Welt", da televisão pública SRF, que promove uma espécie de troca de famílias entre moradores de cidades suíças com moradores de cidades homônimas no resto do mundo. O programa, reprisado em julho de 2017, durante a debandada das férias de verão, passou quase despercebido pela comunidade brasileira na Suíça. Guilherme e a família passaram cinco dias em Friburgo numa confraria de estudantes enquanto duas estudantes suíças ficaram na casa da família Isnard em Nova Friburgo, interior do Rio de Janeiro. Na fraternidade de estudantes, onde todos têm um nome de guerra, Guilherme recebeu a alcunha de Dino e Yoo Na, Helena. Dino, por Guilherme ser um fóssil do rock. Helena ficou por conta da beleza de Yoo Na. O produtor suíço Benjamin Katulu, que selecionava os participantes do programa, foi um dos responsáveis pela escolha da família Isnard: “claro que o fato do Guilherme ser um músico famoso contou, mas eles foram escolhidos por formarem uma família de mentalidade muito aberta e representarem muito bem Nova Friburgo, o que foi comprovado durante as gravações do programa na Suíça. Foi muito fácil trabalhar com eles pois estavam abertos a todas as novas experiências. Na verdade foi mais fácil trabalhar com brasileiros do que com suíços. Nós somos mais fechados e não somos tão espontâneos. Gravar com brasileiros é ótimo, você se diverte o tempo todo!”. A partir do programa de TV, a Suíça entrou com tudo na vida de Guilherme. Conversamos com o músico sobre o programa, a relação com o país, e o sonho atual do músico: se apresentar num festival de música em Berna. : Como vocês foram parar num reality suíço? Como chegaram a vocês e como foi feita a seleção? Guilherme Isnard: Uma amiga sul-coreana que mora em Berlim soube que havíamos nos mudado para Nova Friburgo e me escreveu dizendo que um amigo de uma produtora alemã procurava moradores de Nova Friburgo para um programa de TV. Ela não nos deu maiores detalhes, mas a possibilidade de viajarmos em família e esquiarmos com as crianças nos interessou e nos inscrevemos sem nem saber do que se tratava. Conforme avançávamos no processo seletivo, fomos pescando informações, e descobrimos que o programa era um reality show de troca de cidades o que nos preocupou, pois não nos diziam quem ficaria na nossa casa, nem em qual local ficaríamos hospedados. No início de novembro conversamos com o selecionador de elenco que veio à Nova Friburgo entrevistar os finalistas. Para surpresa de quem imaginava receber um loiro de olhos azuis, quem nos visitou foi um simpático e gentil suíço afrodescendente. Ele nos disse que competíamos com mais três ou quatro candidatos e seguimos na expectativa. No feriado do dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, recebemos uma ligação do Benjamin comunicando que nós havíamos sido os escolhidos e que teríamos que estar em Friburgo no dia dois de dezembro. O choque pela notícia e o imediatismo da viagem foi tão grande, tudo parecia uma loucura, que por um momento desistimos. Quando telefonei para comunicá-lo que declinaríamos do convite, notei que as lágrimas corriam pelo rosto de Yoo Na, então desisti de desistir e comecei a correr atrás dos preparativos urgentes. : Vocês já conheciam a Suíça? G.I.: Eu não! Até então, como a maioria dos brasileiros, tudo o que eu conhecia da Suíça eram os relógios, chocolates, queijos, canivetes, estações de esqui, festival de Montreux e as contas bancárias numeradas. Não que eu tivesse uma. Quando marcamos a viagem, comecei a estudar a história de Friburgo e o papel dos colonos daquele cantão na formação da cidade de Nova Friburgo. Sou casado com uma arquiteta sul-coreana que já estivera em Berna e Lausanne, mas ficamos empolgados em conhecer um dos maiores conjuntos arquitetônicos medievais preservados da Europa. : Como foram as gravações do programa? Existia um roteiro ou era quase tudo no improviso? G.I.: As gravações duraram cinco dias e a nossa maior preocupação era de que as crianças, na época com quase três anos a menina e quase seis o menino, se entediassem ou estressassem com as gravações, mas a equipe foi maravilhosa e nos trataram com o maior zelo e carinho. Todas as manhãs nos despertavam com sacolas de guloseimas para os pequenos. Inclusive providenciaram uma babá que falava espanhol, e ela os ensinou a fazer cerâmica, cookies e pizza durante as gravações noturnas ou inadequadas para eles. A dinâmica do programa, fosse pela dificuldade de comunicação, diferença de costumes ou por constrangimentos provocados, tinha o objetivo de gerar situações desconfortáveis. As gravações seguiam uma linha de roteiro nesse sentido, mas com desdobramentos totalmente imprevisíveis e improvisados. O ritmo de trabalho mostrou-se menos ameno que o previsto no contrato, que nos garantia tempo livre para o turismo, mas reputamos o fato ao entusiasmo do diretor que ficava cada vez mais empolgado com os resultados e queria sempre mais. Ainda assim conseguimos satisfazer nossa curiosidade pela cultura e os hábitos locais. : O que vocês mais gostaram e o que menos gostaram de Fribourg? G.I.: Do que menos gostamos, foram os preços. Não tivemos nenhuma despesa de estadia, é verdade. Traslados, ingressos e alimentação corriam por conta da produção, mas como costumamos aproveitar as viagens para comprar vestimentas e calçados, para as crianças principalmente, ficamos frustrados com o alto (para nós brasileiros) custo de vida suíço. Adoramos as paisagens alpinas, os cumes nevados e as pessoas, todas surpreendentemente calorosas, contrariando as nossas expectativas sobre o povo das montanhas gélidas, e curiosas sobre a cultura Friburguense. Foi uma belíssima e enriquecedora experiência de vida. : Dá pra comparar a Suíça/Friburgo com Brasil/Nova Friburgo? O que existe em comum e o que é totalmente diferente? G.I.: Eu diria que a semelhança está restrita à geografia. O cenário montanhoso e o rio La Sarine que corta a cidade, nos pareceram bastante similares à topografia de Nova Friburgo. Muitos sobrenomes também são os mesmos, mas é só. Friburgo tem uns 35 mil habitantes e Nova Friburgo, perto de 200 mil. O adensamento populacional em um vale estreito foi agravado com o crescimento desordenado e a ocupação irregular das encostas e das áreas de risco geológico. Além disso, uma parcela da população tem dificuldade em assimilar a nova dimensão do município e se comporta como se ainda vivêssemos em uma pequena cidade do interior. O que perpetua alguns bons hábitos como a presunção da honestidade, e outros péssimos, como estacionar em fila dupla ou em locais proibidos. Uma das memórias mais impressionantes da viagem foi que mesmo depois de participarmos de uma aglomeração de aproximadamente 30 mil turistas e habitantes no entorno da catedral de São Nicolau, quando subimos de volta ao local em que estacionamos o carro, encontramos as ruas totalmente limpas, como se nada tivesse acontecido. Se fosse aqui, as ruas amanheceriam cobertas dos restos da festa. Temos muito a aprender com os suíços em termos de educação, cidadania e civismo, por isso creio que o estreitamento da relação entre os dois povos, por ocasião da comemoração do bicentenário da imigração, será extremamente positivo para a cidade. : E por falar em cidadania, muitas pessoas te conhecem apenas como o vocalista do Zero mas você é um participante muito ativo na vida de Nova Friburgo. Conte-nos um pouco sobre essas ações. G.I.: Sou um cidadão envolvido com todos os movimentos da sociedade civil organizada. Fui diretor cultural do Nova Friburgo Convention & Visitors Bureau até dezembro último e sou membro dos Conselhos Municipais de Política Cultural; de Desenvolvimento Econômico; de Turismo e de Moda, que é uma indústria importante na cidade. Fiz parte do grupo de governança do movimento Nova Friburgo +200, sou fundador do Polo Gastronômico Caledônia e do Polo de Audiovisual e membro da Associação Friburguense de Preservação da Memória Ferroviária. Em 2016, minha atuação voluntária nessas instituições culminou em uma nomeação para a subsecretaria de governo, encarregado da coordenação dos eventos de comemoração e legado dos dois séculos da cidade. Nessa posição, recepcionei o Sr. Raphaël Fessler, presidente da seção suíça da AFNF - Associação Friburgo-Nova Friburgo, e também o Cônsul Geral Adjunto, Sr. Christophe Vauthey e o Cônsul Geral da Suíça no Rio de Janeiro, Sr. Rudolf Wyss. É de minha redação a correspondência oficial em agradecimento ao convite dos Sr. Maurice Ropraz, Presidente do Conselho de Estado do Cantão de Fribourg e da Srª Danielle Gagnaux-Morel, Chanceler de Estado do Cantão de Fribourg, para que uma delegação de Nova Friburgo participe da comemoração do Dia Nacional da Suíça. : A relação com a Suíça, que começou no programa de TV, se estreitou bastante, não? Vocês pretendem voltar a visitar o país? Não só pretendo voltar, como tocar na Suíça é meu sonho atual! Esse sonho vem desde a gravaçao do reality. Ainda durante a seleção dos participantes, após nossa entrevista e no fim de seu dia de trabalho em Nova Friburgo, levamos Benjamin Kasongo Katulu da banda The Gamebois e posteriormente Benenko, para conhecer a cidade. A caminho do hotel ele revelou que também era cantor e compositor e nos fez ouvir algumas de suas composições, que nós adoramos. Perguntei o que um artista daquela grandeza fazia trabalhando com casting de TV. Ele respondeu que um cantor suíço de soul music não tinha vida fácil, que os suíços não valorizavam a prata da casa. O que era exatamente a minha situação em Nova Friburgo, onde temos uma confeitaria para sobreviver. Além da falta de reconhecimento local, o rock brasileiro não atravessa um bom momento. Atualmente desenvolvo minha carreira em duas frentes criativas. Continuo compondo e fazendo shows com a banda e o repertório rock’n’roll, mas também finalizo um CD de sambas-canção autorais, na raiz da tradição brasileira, interpretados com o acompanhamento de um combo jazzístico, com vistas a desenvolver minha carreira também no continente europeu. Ainda não efetivei nenhuma parceria artística com o Benjamin porque trabalhamos com gêneros diferentes, ele faz soul e eu faço rock e samba, mas o fato de conhecer músicos suíços facilitaria muito uma apresentação local. Também seria bem interessante reler algumas das minhas composições em outro estilo, criar algumas novas e também apresentar meus sambas revestidos por outro conceito. Meu sonho é participar do Gurtenfestival em Berna! Como sonhar não custa nada, mal posso esperar para voltar à Suíça e realizar essa colaboração!
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